terça-feira, 2 de agosto de 2011

Artistas

Sou do interior, inocente, puro e besta.Não morei em Ipanema,  Queluz é uma fotografia na parede.Carrego a lama fedorenta do Paraíba nas veias, sinto falta da Mantiqueira quando moro longe dela, e tenho saudades de tudo que eu ainda não vi.
Mas isto eu vi!
Existem pessoas com a Arte dentro delas, como Chaplin, como Isadora Duncan, como Garrincha.Deus distribui graciosidade e poesia para mentes, cérebros  e pés  de maneira desigual e improvável.
Eu vi Bosquinho Bitu, negro, pobre, pouco letrado.Já entrado em anos, poucos dentes e poucos cobres. Por volta dos setenta.
Era um sábado de manhã, com crianças uniformizadas, calções muito além do seu tamanho. Bitu estava lá. Rodeava a pequena área, corrigia o chute, dava bronca, elogiava e sorria com poucos dentes.
Amava o futebol. Pessoas diziam maravilhas do homenzinho magro, de voz rouca, carne rija e musculatura preservada.Por volta dos setenta.
Alguém provocou:_Ei, Bosquinho, dizem que você não consegue mais dar bicicleta.Acho que nem andar de bicicleta!
_É, Bosquinho! Tá veio, malandro!
Provocado, ele desafiou:_Cruza pra ver!Cruza pra ver!
Errou a primeira tentativa. O cruzador errou, ele errou.
_Cruza de novo! Cruza de novo!
O rapaz vai desanimado para a marca do corner e cruza, desta vez milimetricamente.
Bosquinho, de calça social, camisa de botão, chinelo havaiana, tira o chinelo, se posiciona e acerta milimetricamente e vigorosamente a bola em uma bicicleta perfeita. O goleirinho nem viu a cor.
Há controvérsias sobre quem inventou a bicicleta.Chileno, argentino, Leônidas. Eu sei quem a dignificou.
Pobre. Preto.De poucos dentes e poucos cobres.Perto dos setenta. 
Eu, o zelador do campo, a molecadinha do treino, Chaplin, Nureyev, Barishnikov e Deus aplaudimos admirados.
Uma semana depois, Bosquinho partiu.

2 comentários:

  1. no cerne. lindo. saudades. precisamos de um livro de alício

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  2. Como sempre bem escrito e cheio de soul.
    O Hai Kai-Pira pirou a minha cabeça.
    Sim, precisamos de muitos livros do Alício.
    Que ele consiga se desvencilhar das bandagens e saia de seu sarcófago!

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