Eram dias outros, outros tempos. A vida que para mim era aurora, tinha cara de uma eterna tarde, com sol forte, chapado, vida modorrenta e boa. Os carros eram grandes, cheiravam a gasolina limpa com estopa, o barulho da Dutra, pneus e ecos, chegavam feéricos à minha casa, a tarde era duradoura. David Carradine contracenava impávido com Farrah Fawcett, Lee Majors propagandeava o kichute de seis milhões de dólares e a tarde era eterna, com sol dourado. Meu pai tinha músculos, sorriso bom e dentes fortes; minha mãe cantava com vibrato e voz límpida e ambos eram eternos. Meu quintal era máquina do tempo e era essa voz do vídeo, este timbre de guitarra e essa rouquidão distorcida que povoavam o rádio à pilha, as tardes compridas de minha tarde eterna. Anos 70. Século vinte. Tarde eterna.
Vocês homens sujos e rudes que cospem entre dentes, pragas e sorrisos tortos de poucos dentes que olham cabisbaixos e ensimesmados o nada, o vazio, o dia que fumam cigarros fumarentos, malcheirosos e baratos que comem bem menos que gostariam que conservam baixos a voz, os olhos, os ombros, que recebem açoites, olhares, desprezo, dos homens, dos cães, dos porcos de farda que escarram no chão com dignidade distraída que devoram como larvas procriam como ratos e fedem como chorume NÃO HÁ LUGAR PARA VOCÊS NA BRAVA, ORGULHOSA E EFICIENTE SOCIEDADE DO AMANHÃ... FOTO: Serigreja (blog)
O livro "Primavera Silenciosa" que há pouco chegou a mim, é um achado. É a primeira obra-reportagem de cunho investigativo que denuncia o bombardeio químico ao qual a sociedade americana está exposto, de forma mais intensa com o DDT, e as consequências funestas à saúde e ao meio-ambiente ( a obra é de 1962). As forças retrógradas da mídia, da DuPont (fabricante do troço) e a grande massa ignorante do perigo ao qual estava exposta, massacraram impiedosamente a pessoa da pesquisadora, na tentativa de desacreditá-la. É técnico sem ser maçante, poético sem ser piegas, e sem dúvida, o livro de maior impacto, de maior contundência na questão ambiental, pois conseguiu, ainda na gestão Kennedy, impulsionar uma investigação do governo, e a posterior proibição do produto. Vale cada centavo investido.
O vídeo do Youngbloods acima é daqueles de machucar. É o auge da inocência de toda uma geração que pensava vencer canhões com flores, guerras com música, dinheiro com partilha de bens e sorrisos. Extrema inocência, manhã de verão, sol doce nos quintais da América e do mundo. Perdão companheiros porque eles venceram. Os porcos capitalistas, os falcões de guerra do Bush, os mísseis, os talibãs, os engravatados da bolsa de valores, os assassinos de crianças, as Rosas de Hiroshima, os latifundiários, os congressistas inescrupulosos. Mas não se esqueçam dAquele que disse que "os mansos possuirão a Terra" e o "Leão e o cordeiro pastarão juntos".